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A revitalização da Avenida Nove de Julho causa preocupação em seus primeiros movimentos. Na altura do Beco Fino, o córrego foi entubado e concretado. Embora a ponte seja necessária, revela soluções de uma engenharia míope, desconectada das questões ambientais globais.
A Córrego do Mato era apenas a avenida que ligava "nada a lugar nenhum" nos anos setenta. O asfalto invadiu a várzea, manobra impeditiva nos dias de hoje. O código florestal define estas áreas como "de proteção permanente", um estorvo para as prefeituras e empreiteiras.
Quando transformou-se na Nove de Julho, menina dos olhos da cidade, o córrego continuou sua humilde trajetória, do nada para lugar nenhum... Surge de um cano, perto da Vigorelli, deságua tristemente no poluído Jundiaí.
A cidade tem nome de rio e mantém distância profilática de seus cursos d'água. O Jundiaí, com suas margens concretadas há anos, é o grande exemplo disso. Com o Jundiaizinho não é diferente: depois de incensado no Parque da Cidade, vira um canal triste e esquecido. Em seu trecho final, próximo da UNIP, os resquícios de mata-ciliar deram lugar a concreto e asfalto.
Agora, a propaganda oficial anuncia obras de "saneamento". Financiadas pelo PAC, sob pretexto de atender demandas da população, preparam terreno para empreendimentos imobiliários.
A obra na avenida "cartão postal" poderia mesmo ser emblemática, um legado do governo municipal. Mas para isso precisaria quebrar o paradigma da "canalização". Revitalização sim, mas sem entubar o córrego, sem destruir suas margens.
Pessoas de setenta anos, a geração do prefeito, conheceram um rio Jundiaí preservado, onde era possível nadar e "tirar lambari com a peneira". Minha geração viu um rio poluído pelos esgotos, efluentes da Duratex e de outras empresas. Depois, o emparedamento.
Agora querem entubar o córrego do Mato. Para muitos de nossos jovens e crianças, que nem sabem o nome dele, é a única referência de rio urbano.
E não está doente: as garças freqüentam suas águas atrás dos peixinhos, as pedras formam recantos para a pequena fauna local. Em alguns trechos, como nas proximidades do Wiener, a mata mantém intercâmbio com o riacho. De vez em quando se vê um gambá ou um ouriço.
Em tempos de Aquecimento Global, não faz sentido destruir o córrego para privilegiar o trânsito. A avenida pode ser revitalizada sim, embora o município tenha outras prioridades, mas com Engenharia Sustentável, sem dano ao córrego. Até mesmo a troca da tubulação de esgoto pela DAE, uma operação delicada, precisa ser reavaliada. Frente ao desafio de preservar o ambiente, não podemos ter preguiça de pensar, de projetar com criatividade.
Em Santana de Parnaíba, muito próximo de nós, há um bom exemplo dessa Nova Engenharia. Um condomínio, com o sugestivo nome de Gênesis, foi implantado numa imensa área verde. Ao final das obras, a mata-nativa dobrou de tamanho. Num local onde era preciso abrir uma estrada optou-se por uma alça elevada, acima das copas das árvores, para não cortar nenhuma delas.
Os Parques Lineares da cidade de São Paulo são outro bom exemplo. Com a recuperação de córregos e nascentes, serão interligados por corredores verdes, permitindo a circulação da fauna e das sementes. O rio passa a ser o ponto de partida do planejamento urbano e referencia para a comunidade. Na maior e mais complexa cidade da América Latina, até mesmo córregos canalizados ou tamponados voltarão às condições originais.
O córrego do Mato precisa ser conservado, como marco de uma geração que disse não ao concreto e sim à vida. O município "verde", precisa incentivar o transporte coletivo, o uso da bicicleta, educar o motorista, restringir o uso do automóvel. Horários de pico, poucos, não justificam a canalização. A melhor utilização das vias próximas e construção de pontes, pode minimizar os mínimos congestionamentos. A faixa adicional parece ser viável em alguns trechos, onde as calçadas são mais amplas, onde há terrenos vagos. É possível buscar, literalmente, um outro caminho. Pode nascer ali nosso primeiro Parque Linear.
As novas e futuras gerações têm o direito de conviver com um riachinho cortando a cidade. É preciso coragem para lançar mão dessa Nova Engenharia em todos os outros córregos e trechos do rio Jundiaí que pretendem entubar.
O Japi deve deixar de ser lastro da cidade, nessa política do "tudo pode, desde que não se mexa na Serra".
Pensar a reforma da Nove de Julho a partir da preservação e revitalização do córrego do Mato, não é voltar ao passado. É antes uma nova postura, diante dos desafios de um novo tempo.
Sem ela, nós, cidadãos do "município verde", estaremos como a velha Córrego do Mato: a meio caminho de lugar nenhum!
Paulo R. F. Dutra
Coordenador do Fórum Permanente Caxambu, é Comunicador Social e Ambientalista